Why birds matter: O artigo da National Geographic que inspira Mil Pássaros

Num esforço de contrariar o massacre generalizado das aves migratórias, os EUA criaram um primeiro conjunto de leis para sua protecção em 1918. A National Geographic juntou-se ao National Audubon Society, a BirdLife International e o Cornell Lab of Ornithology e assinalou o centenário declarando o ano 2018 como o Ano do Pássaro e na edição  de Janeiro da sua revista publicou um artigo de Jonathan Franzen que chamava a atenção para a importância dessas aves e que de entre outras coisas dizia:

Se pudéssemos ver todos os pássaros do mundo, veríamos o mundo todo. (…) Podem ser encontradas penas em todos os cantos de todos os cantos Mundo, em oceanos e em habitats terrestres tão inóspitos que não são habitats para praticamente nada mais. A classe Aves engloba quase 10.000 espécies com uma vasta variação morfológica e diversidade comportamental. Bicos pequenos, bicos grandes, pernas curtas, pernas longas, asas e penas de tamanhos variados. Destas, cerca de metade pertencem à ordem Passariforme. Como os humanos, as Aves constroem casas complexas e criam famílias nelas. Emigram e procuram condições favoráveis para sobreviver. Fazem viagens de milhares de quilómetros, vão e voltam, não se enganam. Gostam de brincar. Cantam.

Mas os pássaros também fazem a coisa que todos nós gostaríamos de fazer, mas não podemos, exceto nos sonhos. Eles voam.

Há, no entanto, uma habilidade crítica que os seres humanos têm e os pássaros não: o domínio de seu ambiente. Os pássaros não conseguem proteger as zonas húmidas ou as florestas, não criam plantas, peixes nem insectos, não conseguem colocar ar condicionado nos seus ninhos. Têm apenas os instintos e as capacidades físicas que a evolução lhes deu. O que lhes serviu muito bem durante muito tempo, os pássaros têm cerca de 150 milhões de anos mais do que os seres humanos. Mas agora os seres humanos estão a mudar o planeta duma forma muito rápida, muito mais rápida do que a capacidade de adaptação que a evolução confere às aves. Podemos ter corvos e gaivotas a prosperar nos nossos depósitos de lixo, melros nos nossos jardins e condomínios, pombos nas nossas praças e pardais nos nossos parques da cidade. Mas o futuro da maioria das espécies de aves depende do nosso compromisso em preservá-las. Serão elas suficientemente valiosas para que façamos o esforço?

No Antropoceno, valor significa quase exclusivamente valor económico, utilidade para os seres humanos. E certamente muitos pássaros selvagens são comestíveis. Alguns deles, por sua vez, comem insetos nocivos e roedores. Muitos outros desempenham papéis vitais – polinizando plantas, espalhando sementes, servindo como alimento para predadores mamíferos – em ecossistemas cuja vida selvagem tem valor turístico ou contribui para a diminuição do carbono libertado na atmosfera. E também é verdade que as populações de aves funcionam como indicadores importantes da saúde ecológica. Mas será que realmente precisamos da ausência de pássaros para nos aperceber quando um pântano está severamente poluído, uma floresta cortada e queimada, ou uma pesca destruída? O triste facto é que os pássaros selvagens, por si mesmos, nunca terão peso na economia humana. E quererão sempre comer as nossas cerejas e os nossos mirtilos.

O que as populações de aves indicam de forma útil é a saúde de nossos valores éticos. Uma das razões pelas quais os pássaros selvagens importam – ou devem importar – é que eles são nossa última e melhor conexão com um mundo natural que está a retroceder. Eles são os representantes mais vívidos e difundidos da Terra tal como ela era antes das pessoas chegarem. Eles descendem directamente dos maiores animais que já andaram no planeta: o tentilhão que está do lado de fora da janela da sua casa é um dinossauro pequeno e maravilhosamente adaptado. O pato que vive no lago do jardim da cidade é muito semelhante ao pato de há 20 milhões de anos atrás, na época do Mioceno, quando os pássaros governavam o planeta. Num mundo cada vez mais artificial, onde os drones sem penas preenchem o ar e os Angry Birds podem ser simulados nos telemóveis, não vemos nenhuma necessidade razoável para acalentar e apoiar os antigos governantes do reino natural. Mas será o cálculo económico o nosso mais alto padrão de conduta? Votar os pássaros ao esquecimento é esquecer de quem somos filhos. A diferença radical dos pássaros relativamente a nós é a essência da sua beleza e valor. Eles estão sempre entre nós, mas nunca são de nós. Eles são os outros animais dominantes do mundo que a evolução produziu, e sua indiferença relativamente a nós deve servir para nos lembrarmos que não somos a medida de todas as coisas. As histórias que contamos sobre o passado e imaginamos para o futuro são construções mentais de que os aves podem prescindir. Os pássaros vivem diretamente no presente. E no presente, embora os nossos gatos, as nossas janelas e os nossos pesticidas matem biliões deles a cada ano, e embora algumas espécies, particularmente nas ilhas oceânicas, tenham sido perdidas para sempre, o seu mundo ainda está muito vivo. Em todos os cantos do globo, em ninhos tão pequenos como nozes ou grandes como montes de feno, os filhotes bicam as cascas dos ovos para chegar à luz.

[Síntese e tradução livre do texto original “Why Birds Matter” publicado em janeiro de 2018 pela National Geographic]

Esse texto, cuja versão original pode e deve ser consultada aqui (aproveite para se maravilhar com as lindíssimas fotografias), serve como uma das principais inspirações do projeto Mil Pássaros.

Referência:

Franzen, J. (2018, January). Why birds matter. The National Geographic Magazine. 233(1), 30-57.